"Está vivo?"
Foi com essa pergunta que fui recebido de volta a Second Life depois de mais de dois meses afastado do universo virtual e deste blog.
O cenário não poderia ser mais apropriado: uma ilha habitada por vampiros, demônios, anjos e lobisomens com direito a floresta, castelo mal-assombrado e, claro, um tenebroso cemitério.
Batizada de Lendas Urbanas, a ilha serve de palco para o novo RPG - jogo de interpretação de papéis - criado pelo pessoal da Ilha Brasil e inaugurado na última quarta-feira de Halloween. Depois de me oferecer um kit para poder entrar no jogo, meu anfitrião, Gaston Nouvelle, me leva para um rápido passeio pelo lugar.
"O sim é projetado com 60 mil m2 de esgotos. Dá para se perder feio aqui", me diz Gaston, enquanto nos guia com uma lanterna pelos corredores subterrâneos de Lendas Urbanas. "À noite isso é tétrico."
Subimos à superfície em um ferro velho, área habitada pelos nekos, criaturas meio-gatos meio-homens que também fazem parte da fauna do jogo. Já no castelo dos vampiros, observo os fantasmas se mexendo nas fotografias antigas, máquinas de tortura espalhadas pelos andares e, aqui e ali, manchas de sangue tingindo o piso e as paredes do lugar. Lembrei imediatamente o que havia me dito minutos antes Gaston:
"As mordidas dos vampiros aqui realmente ferem; as armas podem matar". Um calafrio percorreu a minha espinha virtual quando me dei conta que, dali a poucos minutos, uma daqueles lápides traria o meu nome inscrito nela. Sim, hoje, eu estava ali para morrer. Meu amigo - e em breve executor e coveiro -, tentou quebrar o gelo: "O que devo escrever na lápide, te vejo no My World?".
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Minha primeira incursão em Second Life data de 19 de julho de 2005. G1 e G2 nem sequer existiam, e o Second Life era então uma comunidade de "mais de 43 mil pessoas" que, só dois anos após sua criação, começava a chamar a atenção da imprensa americana e estrangeira. Passados outros dois anos, Second Life é hoje uma comunidade de mais de DEZ MILHÕES de usuários registrados, sendo que destes pelos menos 880 mil nos últimos 30 dias dedicaram alguns minutos de suas vidas reais a esse universo virtual.
Quando o G2 começou, em dezembro de 2006, o número de brasileiros que já habitavam o Second Life poderia ser contado nos dedos das mãos. Em pouco menos de um ano, já somos o segundo maior grupo de residentes, atrás dos Estados Unidos e à frente do Japão. Uma versão 100% em português foi lançada, dezenas de empresas (de Bradesco a Volkswagen, de editora Abril a TV Globo) converteram seus reais em lindens para marcar presença no metaverso, e diversos blogs como este, profissionais ou não, começaram a pipocar na internet.
Mas, por mais que o número de brasileiros em SL venha aumentando a cada dia (alguém se lembra do Orkut?), muitas vezes já é possível sentir um certo descontentamento no ar. "Aquilo virou uma cidade fantasma", desabafou uma colega-virtual deste repórter que preferiu não se identificar por ainda manter um blog sobre SL. "Só entro lá porque sou obrigada. Não há nada de interessante acontecendo."
Opinião semelhante tem o jornalista e editor da revista "Wired" Chris Anderson, que recentemente saiu ao ataque do admirável mundo novo virtual em artigo batizado de "Why I gave up on Second Life" (Por que eu desisti do Second Life):
"Bem, em partes é o problema do 'não tem ninguém ali'. Como todo mundo, eu me diverti explorando o conceito e me maravilhando com toda a criatividade. Então me aborreci, e comecei a me impressionar com algo distinto: todos aqueles edifícios corporativos vazios. Durante o dia, eu participava de conferências de marketing que geralmente tinham um pé no SL, com direito a demonstrações no palco (os 'habitantes' sendo invariavelmente empregados pagos). Mas à noite eu voltava aos mesmos lugares, que tinham se transformado em cidades fantasmas uma vez que a demonstração chegasse ao fim. Eu não conseguia entender como companhias continuavam a despejar dinheiro ali. Estariam eles vendo algo que eu não estava?", escreveu Anderson.
"Minha opinião é que, se você vai evocar conceitos do mundo real como 'lugares' em que 'você vai', então é preciso lidar com expectativas do mundo real. Nós não gostamos de prédios vazios na vida real; por que devemos ser mais tolerantes com eles em SL? Afinal, cidades-fantasma têm fantasmas, também, mas isso não as torna mais atraentes."
"Acredito que tenha havido um hype excessivo (em torno do SL), mas existe um 'algo ali, ali'", me explica por MSN o japonês Joichi Ito, um dos primeiros a investir - e a perder dinheiro - na internet. Em seu currículo há apostas como a fundação Mozilla (responsável pelo navegador Firefox), o Creative Commons e o agregador de blogs Technorati. "O SL poderia vingar, mas até onde eu vejo, existe mais falação sobre o que está acontecendo ali do que algo acontecendo de fato. Isso me lembra dos primeiros dias da internet quando você tinha a Pizza Hut online, e isso era legal, mas as pessoas que realmente estavam fazendo dinheiro eram as revistas e as pessoas que falavam sobre a net. Nenhum dinheiro começou a ser ganho até que o e-commerce passasse a funcionar, o que levou mais de cinco anos do que a gente imaginava. Pode levar menos para os mundos virtuais e o SL pode sobreviver, mas todas aquelas pessoas abrindo suas lojas em SL e esperando os clientes chegarem provavelmente vão acabar se desapontando".
Mesmo os mais críticos com a exploração comercial e o futuro de SL, reconhecem entretanto que o universo virtual criado pela Linden Labs muito provavelmente continuará se expandindo. Graças a ele, pesquisas de comunidades 3D na internet estão avançando a todo vapor. Entre elas, há um projeto batizado provisoriamente de My World. Rumores que circulam na internet há pouco mais de um mês dão conta de que o My World seria um projeto do Google para unificar Google Earth, Google Maps, Orkut e a ferramenta de modelagem 3D SketchUp que, segundo uma fonte deste blogueiro que já estaria testando uma versão beta do programa, tem tudo para "pôr o SL no bolso e esmigalhar". O Google, no entanto, nunca se pronunciou oficialmente sobre o My World.
"Acho que são só rumores por enquanto. O Google tem um acordo com a Multiverse mas é de escala muito pequena, não um 'SL do Google', até onde podemos saber", especula Wagner James Au, jornalista americano responsável por um dos primeiros e mais respeitados blogs de cobertura de SL, o New World Notes. Apesar de todo o cenário fúnebre, Au - também conhecido como Hamlet Au dentro SL - não acredita que estejamos às vésperas de jogar a pá de cal sobre o túmulo de Second Life.
"Houve, sim, uma pausa no crescimento mensal de usuários ativos, mas o número de assinaturas continua a crescer a uma velocidade incrível. Acho que são problemas de escala que estão provocando a lentidão e os travamentos", defende Au.
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São problemas de outra 'escala', no entanto, que obrigam este blog a puxar o plugue: diante do crescimento exponencial de usários, aumentou também o volume de vernissages, lançamentos, palestras, festas rave etc. que nos chamavam a cobrir. Com o tempo (ou a falta dele, na verdade), histórias de vida comoventes como as do nascimento do primeiro bebê em Second Life, da especuladora chinesa que se tornou milionária vendendo terrenos feitos de pixels ou dos moleques de rua que invadiram a Ilha Brasil desde as primeiras horas de sua criação passaram a ficar em segundo plano no G2. Em uma estranha inversão de valores, o Second Life que estávamos a explorar tornou-se próximo demais da realidade - e para a cobertura desta temos uma equipe toda no G1. O final de ciclo do G2, que começa com a publicação deste post, não significa que os jornalistas do G1 passarão a ignorar o que se passa em Second Life. O fato é que, após quatro anos de existência, SL já se tornou "real" demais para ser coberto apenas do ponto de vista da fantasia - o que a princípio sempre norteou este blog.
O sonho tem de acabar. De pé diante de meu velho amigo Gaston Nouvelle, peço a ele que acabe com isso de uma vez por todas. A cerca de quatro metros de distância, ele empunha sua metralhadora automática e descarrega toda a munição. Vejo o medidor de energia baixar progressivamente à medida que as balas perfuram o meu avatar. 100... 75... 25... 10... Nos vemos do outro lado.
[15:42] DCS2 v2.16: Chico Benton Has been Defeated
[15:42] DCS2 v2.16: Chico Bentonwas Killed By Gaston Nouvelle
* Postado originalmente por Chico Benton, do G2, em Second Life, dia 02/11/07, no endereço http://www.secondlife.globolog.com.br/